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Mais redações na América Latina incorporam perspectiva de gênero, mas palestrantes em conferência sobre diversidade dizem que mais precisa ser feito

"O mundo é contado pelo olhar do homem e isso não vai ser objetivo nunca", afirmou a jornalista Lucia Solis Reymer, em painel sobre gênero da Primeira Conferência Latino-americana sobre Diversidade no Jornalismo, realizada em 26 e 27 de março, de forma totalmente online.

A conferência, pioneira, é organizada pelo Centro Knight para o Jornalismo nas Américas da Universidade do Texas em Austin e é patrocinada pela Google News Initiative.

Solis é editora de gênero do jornal La República, um dos maiores e mais tradicionais do Peru. Ela e as outras palestrantes debateram os entraves para a implementação da perspectiva de gênero nas redações, bem como outros temas. Uma dessas dificuldades, segundo Solis, é a resistência dos jornalistas, que argumentam em defesa de uma suposta objetividade.

"Outro desafio é o tratamento tradicional que se tem no jornalismo, estou falando da objetividade, que muitas vezes nada mais é do que subjetividade masculina", disse ela, que reforçou que não é neutra, porque assume uma postura clara em defesa da dignidade e igualdade das mulheres.

Speakers on the gender panel at the diversity conferenceO painel foi moderado pela diretora editorial de Chicas Poderosas, a argentina Belen Arce Terceros, e contou com a presença de Solis, bem como da fundadora do meio mexicano Malvestida.com, Alejandra Higareda, e a diretora geral do meio venezuelano Efecto Cocuyo, Luz Mely Reyes.

Solis contou ainda sobre como é o cotidiano de uma editora de gênero, um cargo que é cada vez mais comum nas redações. Ela explica que o seu trabalho não se trata apenas de temas relacionados a gênero, mas que perpassa toda a cobertura do jornal, como esportes, celebridades e política.

"Muita gente pensa que a editora de gênero é uma espécie de censor, de algoz, mas não é assim. A editora de gênero de um meio é a figura que incorpora, digamos, a estratégia de um meio de aplicar a abordagem de gênero à sua produção jornalística. [...] É muito pedagógico. Há muito questionamento, autoquestionamento e muitas descobertas", contou ela.

Belen Arce Terceros, de Chicas Poderosas, disse que houve muitos avanços na perspectiva de gênero nas redações nos últimos anos, mas ainda há muito a ser feito. Ela citou, como exemplo, que há cerca de dez anos seria aceitável chamar um feminicídio de crime passional, algo que hoje é raro.

"Continuamos a ver notícias que perpetuam estereótipos machistas e a violência contra as mulheres. E também sabemos que, nas histórias que contamos, as mulheres continuam sub-representadas: apenas 24% das pessoas que aparecem, são ouvidas ou protagonizam as notícias são mulheres, de acordo com um estudo da Who Makes the News", afirmou.

Ela destacou também que, na Bolívia, assim como em outros países da região, apenas duas em cada dez colunas de opinião são feitas por mulheres.

A venezuelana Luz Mely Reyes, de Efecto Cocuyo, diz que essa falta de representatividade faz com que, até hoje, as pessoas se surpreendam com o fato de ela, uma mulher negra, ter fundado e dirigir um meio de comunicação.

No Efecto Cocuyo, afirma Reyes, há uma preocupação em buscar mais mulheres para serem colunistas de opinião. Segundo a jornalista, o problema não é apenas a falta de espaço para as mulheres opinarem: muitas precisam superar uma inibição para poder ocupar esse espaço, quando ele existe.

"Como podemos fazer com que muitas especialistas, que têm muitas coisas a dizer, possam fazê-lo? Muitas descobrem que têm medo de se expressar, acham que não sabem escrever e são gênias, mas ainda não descobriram isso. Além de termos [mulheres que escrevem] opinião, também procuramos especialistas mulheres. Parte de nossa linha editorial é que as nossas matérias, quando procuramos vozes de especialistas, incluam muito as mulheres", explicou.

Reyes defendeu que, além da questão de gênero, é preciso estar atento à diversidade racial, territorial e de classe social. Nesse ponto, explicou a importância de identificar os próprios preconceitos.

"Às vezes, quando estamos abordando certos tópicos, temos um olhar condescendente. Aconteceu conosco com a questão das mulheres, com a questão dos direitos dos meninos e das meninas, da diversidade étnica e tenho certeza que está acontecendo conosco com a questão das deficiências e de outros grupos de pessoas que se deslocam em migrações".

Assim como Reyes, a jornalista mexicana Alejandra Higareda, fundadora de Malvestida.com, concordou que não basta ter mulheres na redação para ter uma perspectiva de gênero. Ela contou que, recentemente, encontrou uma matéria cheia de clichês preconceituosos, que tinha sido feita por uma mulher e editada por uma mulher.

Isso também acontecia com as revistas femininas que Higareda lia na infância e adolescência. "Cresci consumindo revistas que me mostravam uma mulher praticamente unidimensional, branca, loira, magra, e onde os temas que eram abordados sempre tinham a ver com corpo, como ser mais magra, ter pele mais lisa, cabelos mais compridos, e como seduzir seu homem, como agradar seu namorado", conta.

Quando começou a trabalhar como jornalista, em veículos similares, voltados para o público feminino, sentiu que havia um "abismo de representação". "Notei que eu tinha começado a replicar essas mensagens, quando a minha editora me dizia: olha, teve aquele evento, faz uma lista das mais bem-vestidas e das mais malvestidas. Comecei a ter um conflito interno, sentia uma desconexão entre o conteúdo que eu estava criando e o que realmente acontecia comigo, o que me interessava, e sobre o que eu falava com as minhas amigas".

Essa foi a motivação para criar Malvestida. No veículo, Higareda diz que procuram amplificar a voz de "uma nova geração que não espera sentada" e cria sua própria representatividade. "Muitas vezes se usa aquela frase 'dar voz' a alguém, mas você não tem que dar voz a ninguém. Ou seja, as pessoas já têm voz, o que você pode fazer é dar um megafone para que essa voz alcance mais pessoas. Na malvestida gostamos de pensar que é isso que fazemos".

A Primeira Conferência Latino-Americana sobre Diversidade no Jornalismo continua amanhã, 27 de março, em espanhol e online. A inscrição é gratuita e quem participar de ao menos quatro painéis principais vai poder receber um certificado gratuito de participação.

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